terça-feira, 14 de abril de 2020

Descia num passo inseguro e apressado a rua do seu bairro. A zona residencial era modesta, mas sempre muito bem jardinada com canteiros floridos de acácias e japoneiras que lhe dava um ar de encanto. Estava preocupado com a entrevista que iria ter numa empresa nos arredores da pequena cidade minhota, com potencial na indústria têxtil, outrora de grande relevo a nível nacional. Ricardo, recém-licenciado em gestão de empresas, candidatou-se ao lugar de gestão de stocks. A oferta de emprego surgiu quando lia o seu habitual jornal diário nacional. Com vinte e quatro anos, estatura mediana, rosto fino, cabelos pretos e olhos verdes, era de facto um bom exemplar de homem. Sempre trajando roupas escuras, não abdicando dos seus casacos tipo blazer. Ricardo vivia com uma tia, solteira, que prometera à mãe dele, falecida, ainda muita nova, de cancro, que o educaria e lhe daria um futuro.  O pai nunca o tinha conhecido, simplesmente nunca apareceu à sua mãe depois de uma noite tórrida de sexo. Aquando dessa noite de sexo, sua mãe já sabia que tinha a enfermidade e resolvera seduzir o homem de quem ela gostava, embora ele não desse sinal do mesmo. Seria este quem a fecundaria.  Passados três anos de Ricardo nascer, a doença fatal atacou sua mãe. O pai simplesmente evaporara-se sem nunca saber que era pai de Ricardo, nunca mais se ouviu falar dele. Muitas pessoas diziam que ele tinha viajado para os Estados  Unidos.  Sua tia Rosalina, irmã da mãe, dez anos mais velha do que ela, e já prestes a aposentar-se da função pública, tomou conta de Ricardo como fosse um filho seu. Educou-o, levou-o a tirar uma licenciatura e, muitas vezes, parava na janela da sua varanda, vendo-o chegar, sempre com um sorriso para ele. Rosalina via nele a sua infeliz irmã que não chegou a ter oportunidade de ver o filho crescer, se tornar um homem. Ricardo apanhou o TUB nº17, e enquanto fazia a curta viagem, relia o curriculum, para que nada lhe escapasse. Era a primeira entrevista de emprego a sério. Claro que já tinha passado pelas caixas de hipermercados e fast-foods, mas este emprego era para a sua área e isso punha-o em “pulgas”. Sua tia dissera-lhe: - Sê tu mesmo! Não deves nada a ninguém, mostra-lhes que és responsável. 

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