domingo, 1 de março de 2020

Memórias de um psicótico


Quando chegou a casa dos seus pais, completamente exausto do stress londrino, foi descansar para uma clínica para restabelecer-se das horas perdidas de sono.
Apesar de estar livre de drogas há cerca de um ano, e tendo passado provas de fogo em Inglaterra, se não tivesse cuidado, poderia despoletar um surto psicótico sem que desse por ele.
Conseguiu entrar no departamento de psiquiatria, consultas externas, do hospital S. Marcos, onde a sua médica assistente, lhe disse, depois de analisar a sua patologia, que padecia de psicose crónica, uma forma mais ligeira de esquizofrenia.
Através da Internet leu e releu muitos estudos sobre a psicose, para melhor entender o que realmente ia dentro dele, pois os médicos nunca foram muito conclusivos a dizer o que era a psicose crónica.
Tinha de viver e saber lidar e prever os efeitos da doença. Essa era a sua futura batalha.
Tiago puxava a cassete da sua vida para trás e lembrava-se de vários episódios psicóticos que teve, naquela altura tudo lhe parecia natural, tornando-se egocêntrico.
Por volta dos trinta e nove anos sabia que tinha de arranjar emprego por seus meios, pois os pedidos de seus pais tinham - se esgotado.
 Começou a responder a anúncios que via nos jornais, mas não estava fácil, paralelamente tinha três passatempos sempre presentes com ele: um era a fotografia, a música e um recente, que era a escrita, em forma de artigos de opinião. Os seus passatempos preenchiam-lhe demasiado tempo, tendo de deixar um para trás. Optou por deixar a música, visto que não via muito futuro nesta actividade e os seus tempos áureos tinham passado sem grandes resultados, mas sendo uma experiência que foi bem vivida por ele.
A escrita iria acompanhá-lo até os dias de hoje, inteirando-se da política nacional e de todas as vertentes económicas e sociais, levava bastante a peito esta actividade, segundo a sua maneira de ver o mundo e a sociedade portuguesa em especial.
  A fotografia também era uma grande paixão dele, principalmente fotografia de natureza, percorreu várias regiões de Portugal em busca do melhor cenário para fotografar.
Os surtos psicóticos estavam controlados, apreendendo ele próprio a controlar a doença, sem nunca deixar de tomar a medicação estipulada que viria a ser para toda a sua vida.
Os anos foram passando e sentia necessidade de uma companhia feminina, mas como de costume, não acertava muito bem nas relações amorosas.
 Até que um dia, quando tudo menos se previa, conheceu a sua actual esposa. Xana, que já era conhecida de vista de Tiago, e que por acaso tinha sido muito amigo de um seu irmão, infelizmente falecido precocemente.
Era professora recentemente licenciada, mais nova uns anos, mas sempre na sua postura simples e responsável.
Quando ela entrou no bar onde Tiago estava, acompanhada por acaso com uma amiga dele, não havia mais nenhum lugar onde estar, senão perto dele, aproximaram-se e a amiga apresentou-os.
Pareceu que foi tiro e queda, a química entre os dois foi fulminante e passado poucas semanas estavam a namorar.
Ambos eram pacatos e tinham bastantes interesses comuns, entre eles a paixão pela fotografia, viajaram por Portugal inteiro e zonas do norte de Espanha, em busca de novos lugares para conhecer e fotografar. A relação dos dois solidificou-se ao ponto de os levar ao casamento, e partilharem as suas vidas sem fantasmas do passado, embora houvesse pessoas que não concordavam com essa união.
 Uns porque ele era muito mais velho, outros porque tinha um passado de drogas e outros simplesmente porque tinham inveja de eles se darem tão bem. Mas eles foram mais fortes, partilhando as suas vidas com humildade, honestidade e muito amor.
Hoje Tiago, um quarentão, é respeitado na sociedade, contacta com pessoas de vários níveis, cultural e intelectual; sociável e amigo do seu amigo.
Maria Eduarda e António podem, há mais de uma década, viver tranquilos e em paz, os seus últimos anos de vida, pois Tiago conseguiu dar-lhes a paz de que necessitavam.
 No fundo deu uma lição de vida a muita gente que não davam nada por ele.




FIM









Este livro é dedicado a todos quanto acreditaram e apoiaram na recuperação de Tiago.
Uma dedicação especial em memória de Maria Isabel de Carvalho.



Quito Arantes

Texto escrito em 2005 -  carece de atualizações. Livro não editado




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