Estava
uma noite gélida como é costume nos invernos da serra da Lousã. Andou pelos
campos completamente nu ao frio da noite, escura como breu. É certo que não
sabia o que estava a fazer, mas algo de mais grave poderia acontecer.
O
estado físico e psicológico degradava-se a olhos vistos, não comia há já alguns
dias, ingerindo unicamente água fria para refrescar a sua boca seca. Acabou por
não se conseguir levantar da cama, tal era o estado de fraqueza em que se
encontrava. Começou a ter convulsões e a vomitar um líquido avermelhado escuro,
era sangue, mas o responsável teimava em não o levar ao hospital, alegando que
o que vomitara era café. Depois de muita insistência dos colegas, levaram-no
até ao centro de saúde da aldeia.
No
centro de saúde, não sabiam o que fazer com ele, então, transportaram-no para o
hospital Universitário de Coimbra.
Entrou
nas urgências e aí, foi-lhe diagnosticada uma gastrite. Voltou novamente para a
comunidade da Lousã com medicação, mas nem a medicação conseguia tomar. O responsável,
ao ver que o caso era mais grave do que pensava e não querendo responsabilidades
sobre uma possível morte por negligência, encaminhou-o novamente para Coimbra. Quando
voltou a entrar nas urgências do hospital, já estava a entrar em coma, tal era
o seu estado de saúde. Dessa altura, só se lembrava de cair redondo no chão, quando
tentava ir à casa de banho.
O
enfermeiro que o observou, como sabia que vinha da instituição, resmungava,
olhando para os seus braços picados por agulhas, que não tinha sido feito por
ele, mas sim pelas enfermeiras do centro de saúde da Lousã para o tentarem pôr
a soro. O enfermeiro continuava a resmungar com ele, pelos braços picados, mas
ele nunca tinha, em altura alguma, picado os seus braços, pois tinha pavor a agulhas.
Nos momentos em que entrou em coma e esteve nos cuidados intensivos, começou a
luta de Tiago contra a morte iminente.
Quando
estava em coma, lembrava-se de estar numa casa em ruínas em que lhe atiravam para
cima terra e escombros, fugia nu pelos campos cheios de laranjeiras, tentando
saciar a sua sede com as laranjas suculentas que ia apanhando. Mas cada vez que
lhe atiravam mais escombros, mais dificuldade tinha em respirar, era escuro
como breu, sufocando cada vez mais. Ele ia lutando contra a morte, tentando
fugir aos escombros.
Encontrava-se,
na realidade, entre a vida e a morte, depois de ter sido identificado, os
médicos telefonaram aos seus pais, dizendo que havia pouco a fazer, pois ele,
possivelmente, não passaria daquela noite, aconselhando-os a trazer roupa para
o seu funeral. Maria Eduarda nem queria acreditar no que lhe estavam a dizer,
estava destroçada com a notícia.
Eram
quatro dias de um coma profundo, todo ventilado, a lutar contra os escombros
que pensava que lhe estavam a atirar, era uma luta inglória.
Páginas 115/117
Nota: Agradecimentos a Sandra Santos pelo trabalho de revisão e paginação do texto
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