segunda-feira, 8 de julho de 2019

Excerto do livro: Porque és assim?

Desde muito novo fui duro de ouvido, não porque ouvisse mal, mas sim, porque não queria ouvir o que me diziam ou o que escutava. Assim fui fazendo a minha personalidade como se um deficiente me tratassem. Coisa que nunca me disseram abertamente. A adolescência era para ser vivida sem rodeos, não importava quanto maluco fosse, era para ser vivida com toda a vontade de ser feliz à minha maneira.
Filho de várias revoluções dos anos 60, 70, 80, 90 do século XX, atravessei tempos tempestuosos bem de leve sem que me envolvesse de corpo e alma nelas, pois, sabia que só podiam ser efémeras e nem tudo de bom poderia acontecer, como realmente o provir assim o provou.
Quando era criança, talvez com onze anos, cheguei a casa vindo das aulas do primeiro ciclo, entrei no quarto dos meus pais e reparei que estavam atentos à televisão. Era um astronauta americano a descer do vai e vem e a pôr o pé na superfície lunar. A memória deste acontecimento mundial ficou-me retida até aos dias de hoje.
Trinta anos passados deste acontecimento pensei ser um astronauta num centro de reabilitação, talvez pensasse, loucamente, numa nave preste a deslocar-se para o espaço. Coisas que podem acontecer ao mais simples dos cidadãos, porque ninguém está imune a momentos de loucura, em certas fases de suas vidas. Felizmente estes delírios foram passando com o tempo, e hoje, controlo perfeitamente os momentos delirantes.
Saber que algo de diferente em mim se passava, só mais tarde, muito mais tarde, na idade adulta dei conta de mim. Não, não são vozes esquizofrénicas que vou ouvindo, são mesmo escutas das conversas dos outros que ouço com o meu ouvido duro.
Tudo podia ser delírios meus, mas não, eu estava acordado para a vida, como nunca estivera e apesar de estar já numa faze física descendente de uma vida feita de pouco sentido, tinha esperança que ainda ia muito a tempo para ser quem queria ser.
Ser especial não é para qualquer um, temos que ser uns irresponsáveis cretinos, e ao mesmo tempo, uns homens convictos de firmezas que nos levam para a frente de batalha sem rodeos.
Eu sei que até no meu corpo escarraram e que me puseram pior que um cão vadio, mas não vai ser por isso que vou ser uma pessoa pior de sentimentos, talvez, seja um homem melhor, que suporta a dor infringida com um sentido mais terno ao meu semelhante. Nunca sei quem tenho realmente pela frente, e toda a gente já passou por sofrimentos piores ou iguais aos meus, portanto, terei que ser um bom ouvinte para analisar e aprender melhor, sempre melhor na imensidão da dor.
Pagina 15/16
Peter Quiet

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