Nas areias
finas da sua praia de eleição, Estrela imaginava o seu mundo ideal, isento de
sofrimento desmedido, de paz e harmonia entre os homens.
No seu corpo
franzino de adolescente bem encaixado na sua idade, sonhava com um amor sem
fronteiras, onde poderia dar alento aos seus desejos, que se iam perdendo no
tempo.
Os odores da
maresia em conjunto com as rochas da praia, que com a água de teor calítrico
faziam deslizar pequenas partículas de arenitos que se misturavam pelas suas pernas
nuas, levava uma frescura que ela fazia questão de manter nas tardes de verão.
Queria saber
porque se sentia tão sozinha, porque os rapazes só se interessavam pelo seu
belo corpo juvenil, que fazia lembrar uma mulher refeita nos seus atributos
físicos. O sexo não era um fator essencial na sua vida. Sentia falta de
carinho, coisa que não tinha obtido na sua infância, por negligência paternal,
já que sua mãe simplesmente a tinha ignorado logo há nascença. Valera-lhe uma
prima que foi cuidando do seu crescimento e educação.
Estrela, nome
que lhe fora dado pela prima, com a aprovação do pai. Os seus olhos eram de um
verde marítimo, fazendo lembrar águas serenas, onde se podia repousar neles. Os
seus cabelos castanho caju com caracóis ligeiros pousavam sobre as suas costas
de pele morena das prostrações solares dos dias de verão. Enquanto seu pai,
levava a vida na faina do mar, e se resguardava nos tascos da aldeia piscatória,
Estrela olhava o mar com receio que lhe levasse o progenitor, que embora pouco
afeto lhe dava, mas era seu pai e isso ela não podia negar.
Os estudos do
secundário estavam feitos, e ela não tinha intensões de seguir ao ensino
superior, nem seu pai tinha posses para custear com as despesas que
acarretaria.
Estrela
queria levar uma vida junto ao mar, com aquela maresia que continuava a chamar
por ela todos os dias. Pensava nas amigas e amigos que só olhavam para ela
quando algum interesse os motivava. Se ela trazia mariscos para comer, logo os
amigos se juntavam a ela, para depois de degustarem o pitéu, se afastavam numa
indiferença injustiçada.
Era ela e só
o mar a e sua maresia que lhe acalmava o coração das tristezas vividas. Queria
levar todo o seu alento às pessoas de bem, queria fazer algo pelas viúvas dos
pescadores que pareceram no enraivecimento de um mar hostil. Muitas vezes
visitava algumas viúvas, conversava com elas, fazia-lhe recados, até mesmo
ajudava-as nas lidas de casa.
Estrela era muito
acarinhada pelas viúvas do mar, que mantinham os seus medos, pois as suas
famílias continuavam na faina; filhos, netos, sobrinhos.
Sempre que
Estrela fazia algo por estas viúvas, logo a seguir, dirigia-se às dunas para
avistar o mar e sentir a maresia que lhe enchia o coração de vontade de
continuar a sua solidariedade.
Não tinha
grandes ambições na vida, queria ser feliz e encontrava naquelas viúvas uma
forma de se sentir realizada com o mundo. Aquela maresia que lhe entrava pelos
pulmões era o seu tónico para alcançar os seus intentos. O mar estava-lhe no
sangue, filha de pescador, vivendo na aldeia piscatória, tudo se conjugava para
que um dia casasse com um pescador, e daí dar continuidade à tradição familiar.
Mas Estrela não tinha intensões de ser mais uma viúva da aldeia, que o mar
levava os seus maridos sem dó nem piedade. Queria que se criassem normas
estruturais para uma melhor pesca tradicional, queria que os pescadores não
fossem ao mar em qualquer das situações do momento. Gostava que fosse uma pesca
segura, que ninguém perdesse a vida por “dá cá aquela palha”.
O pai não
acreditava na sua forma de ver as coisas, achava que eram modernices da filha.
Era um homem conservador dos costumes da aldeia, apesar de não ser tão velho
como isso, não tinha uma mente aberta para a inovação. E quando visitava
Estrela ou se cruzava com ela, as conversas normalmente tornavam-se discussões
acesas. Claro que havia em Estrela um ressentimento do tipo abandono familiar
em relação ao pai, mas não deixava de falar com ele. Tinha um coração de
manteiga, não conseguia guardar rancor a ninguém. Dócil de um trato
inigualável, apesar de se vestir modestamente, a sua figura esbelta dava nas
vistas, muitas vezes quem por lá passava, a confundia com estrangeira.
Era uma jovem
bem informada, apesar de não ter internet em casa, procurava sempre ir à junta
de freguesia para se ligar online, onde obtinha toda a informação que desejava.
Ouvia atentamente os telejornais, e quando alguma noticia tinha a ver com
pescadores, mandava calar a prima, que ansiosamente espera pela telenovela.
Nas idas
constantes à praia, onde esperava pela maresia, trazia para casa as roupas do
corpo com os cheiros do mar. Era o seu perfume preferido, não o trocava por
mais nenhum. Chegava ao seu quarto, deitava-se de barriga para cima e olhando o
teto idealizava o seu sonho social. Tentar aliviar a dor das viúvas, era o seu
maior desafio. Então lembrou-se que podia tirar um curso de técnica de animação
social para adultos. Foi um click que lhe deu, e logo no dia seguinte, foi à
cidade e inscreveu-se.
Os dias, as
semanas e os meses foram passando, Estrela continuava o seu curso com ótimo
aproveitamento. Mesmo assim, as noites de maresia estiveram sempre presentes
com ela. Passado o tempo do curso e com um aproveitamento de se “tirar o
chapéu”, foi convidada pelo presidente da junta para criar animação cultural na
aldeia. Já em tempos o presidente da junta tinha guardado uma carta que ela lhe
enviara sobre atividades para as viúvas da aldeia.
Estrela
estava feliz, fazia o que gostava mais, os seus amigos, tinham-lhe um grande
respeito e admiração, os pescadores pediam-lhe auxílio em papeladas para as
pescas, e um dia numa reunião da junta, onde estava presente, quase toda a
comunidade piscatória, alguém do fundo da sala, levantou-se e depois de fazer
um grande elogia ao trabalho de Estrela, questionou-a: - Estrela! A que se deve
todo esse sucesso no teu trabalho?
Estrela ficou
um pouco atrapalhada, mas do lado de uma janela entreaberta vinha o cheiro da
maresia, e foi então que respondeu: - Sabe, toda a minha jovem vida, aprendi a
sentir os odores do mar, eles falam comigo e eu com eles, quando tenho dúvidas
sobre algo que me importuna vou até às areias do nosso mar e espero pela
maresia que me acalente a alma.
In “ Contos
de Encantos “ a editar Quito Arantes
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