sábado, 20 de abril de 2013

A maresia de Estrela


Nas areias finas da sua praia de eleição, Estrela imaginava o seu mundo ideal, isento de sofrimento desmedido, de paz e harmonia entre os homens.

No seu corpo franzino de adolescente bem encaixado na sua idade, sonhava com um amor sem fronteiras, onde poderia dar alento aos seus desejos, que se iam perdendo no tempo.

Os odores da maresia em conjunto com as rochas da praia, que com a água de teor calítrico faziam deslizar pequenas partículas de arenitos que se misturavam pelas suas pernas nuas, levava uma frescura que ela fazia questão de manter nas tardes de verão.

Queria saber porque se sentia tão sozinha, porque os rapazes só se interessavam pelo seu belo corpo juvenil, que fazia lembrar uma mulher refeita nos seus atributos físicos. O sexo não era um fator essencial na sua vida. Sentia falta de carinho, coisa que não tinha obtido na sua infância, por negligência paternal, já que sua mãe simplesmente a tinha ignorado logo há nascença. Valera-lhe uma prima que foi cuidando do seu crescimento e educação.

Estrela, nome que lhe fora dado pela prima, com a aprovação do pai. Os seus olhos eram de um verde marítimo, fazendo lembrar águas serenas, onde se podia repousar neles. Os seus cabelos castanho caju com caracóis ligeiros pousavam sobre as suas costas de pele morena das prostrações solares dos dias de verão. Enquanto seu pai, levava a vida na faina do mar, e se resguardava nos tascos da aldeia piscatória, Estrela olhava o mar com receio que lhe levasse o progenitor, que embora pouco afeto lhe dava, mas era seu pai e isso ela não podia negar.

Os estudos do secundário estavam feitos, e ela não tinha intensões de seguir ao ensino superior, nem seu pai tinha posses para custear com as despesas que acarretaria.

Estrela queria levar uma vida junto ao mar, com aquela maresia que continuava a chamar por ela todos os dias. Pensava nas amigas e amigos que só olhavam para ela quando algum interesse os motivava. Se ela trazia mariscos para comer, logo os amigos se juntavam a ela, para depois de degustarem o pitéu, se afastavam numa indiferença injustiçada.

Era ela e só o mar a e sua maresia que lhe acalmava o coração das tristezas vividas. Queria levar todo o seu alento às pessoas de bem, queria fazer algo pelas viúvas dos pescadores que pareceram no enraivecimento de um mar hostil. Muitas vezes visitava algumas viúvas, conversava com elas, fazia-lhe recados, até mesmo ajudava-as nas lidas de casa.

Estrela era muito acarinhada pelas viúvas do mar, que mantinham os seus medos, pois as suas famílias continuavam na faina; filhos, netos, sobrinhos.

Sempre que Estrela fazia algo por estas viúvas, logo a seguir, dirigia-se às dunas para avistar o mar e sentir a maresia que lhe enchia o coração de vontade de continuar a sua solidariedade.

Não tinha grandes ambições na vida, queria ser feliz e encontrava naquelas viúvas uma forma de se sentir realizada com o mundo. Aquela maresia que lhe entrava pelos pulmões era o seu tónico para alcançar os seus intentos. O mar estava-lhe no sangue, filha de pescador, vivendo na aldeia piscatória, tudo se conjugava para que um dia casasse com um pescador, e daí dar continuidade à tradição familiar. Mas Estrela não tinha intensões de ser mais uma viúva da aldeia, que o mar levava os seus maridos sem dó nem piedade. Queria que se criassem normas estruturais para uma melhor pesca tradicional, queria que os pescadores não fossem ao mar em qualquer das situações do momento. Gostava que fosse uma pesca segura, que ninguém perdesse a vida por “dá cá aquela palha”.

O pai não acreditava na sua forma de ver as coisas, achava que eram modernices da filha. Era um homem conservador dos costumes da aldeia, apesar de não ser tão velho como isso, não tinha uma mente aberta para a inovação. E quando visitava Estrela ou se cruzava com ela, as conversas normalmente tornavam-se discussões acesas. Claro que havia em Estrela um ressentimento do tipo abandono familiar em relação ao pai, mas não deixava de falar com ele. Tinha um coração de manteiga, não conseguia guardar rancor a ninguém. Dócil de um trato inigualável, apesar de se vestir modestamente, a sua figura esbelta dava nas vistas, muitas vezes quem por lá passava, a confundia com estrangeira.

Era uma jovem bem informada, apesar de não ter internet em casa, procurava sempre ir à junta de freguesia para se ligar online, onde obtinha toda a informação que desejava. Ouvia atentamente os telejornais, e quando alguma noticia tinha a ver com pescadores, mandava calar a prima, que ansiosamente espera pela telenovela.

Nas idas constantes à praia, onde esperava pela maresia, trazia para casa as roupas do corpo com os cheiros do mar. Era o seu perfume preferido, não o trocava por mais nenhum. Chegava ao seu quarto, deitava-se de barriga para cima e olhando o teto idealizava o seu sonho social. Tentar aliviar a dor das viúvas, era o seu maior desafio. Então lembrou-se que podia tirar um curso de técnica de animação social para adultos. Foi um click que lhe deu, e logo no dia seguinte, foi à cidade e inscreveu-se.

Os dias, as semanas e os meses foram passando, Estrela continuava o seu curso com ótimo aproveitamento. Mesmo assim, as noites de maresia estiveram sempre presentes com ela. Passado o tempo do curso e com um aproveitamento de se “tirar o chapéu”, foi convidada pelo presidente da junta para criar animação cultural na aldeia. Já em tempos o presidente da junta tinha guardado uma carta que ela lhe enviara sobre atividades para as viúvas da aldeia.

Estrela estava feliz, fazia o que gostava mais, os seus amigos, tinham-lhe um grande respeito e admiração, os pescadores pediam-lhe auxílio em papeladas para as pescas, e um dia numa reunião da junta, onde estava presente, quase toda a comunidade piscatória, alguém do fundo da sala, levantou-se e depois de fazer um grande elogia ao trabalho de Estrela, questionou-a: - Estrela! A que se deve todo esse sucesso no teu trabalho?

Estrela ficou um pouco atrapalhada, mas do lado de uma janela entreaberta vinha o cheiro da maresia, e foi então que respondeu: - Sabe, toda a minha jovem vida, aprendi a sentir os odores do mar, eles falam comigo e eu com eles, quando tenho dúvidas sobre algo que me importuna vou até às areias do nosso mar e espero pela maresia que me acalente a alma.

In “ Contos de Encantos “ a editar Quito Arantes

 

sábado, 6 de abril de 2013

Por ti...

No meu peito caem as águas por ti oferecidas
No recanto milagreiro da minha existência.
Enquanto cristalinas, vão purificando os tormentos
Em terras perdidas de outrora.
 
Quero deixar tua frescura assediar minhas comportas
De uma presença inequívoca olhando a brandura
Que enlaças em mim a mais singela vontade de te amar.
 
 in    "Poesia aos Quatro Ventos"